quinta-feira, 28 de junho de 2012

Espaço público e participação em Salvador


Cláudio André de Souza*

Em boa parte das democracias contemporâneas há o questionamento da representatividade do sistema político diante da distância que os partidos têm mantido em relação aos cidadãos comuns, resultando no alastramento de cidadãos que não se sentem representados, consolidando uma crise da representação política. Os debates sustentados por esses “déficits” da democracia nas últimas décadas motivaram os teóricos da democracia a buscar, sem jogar ao mar o instituto da representação política, um diálogo possível entre a representação e a participação direta dos cidadãos em espaços públicos de deliberação.

Ao mesmo tempo em que essa aproximação está em curso, é possível identificar empiricamente democracias que valorizam experiências participativas, ocorrendo em sistemas políticos representativos caracterizados como definiu o filósofo politico Norberto Bobbio, uma “forma de governo em que o povo não toma ele mesmo as decisões que lhe dizem respeito, mas elege seus próprios representantes, que devem por ele decidir”. As democracias modernas já não se restringem mais a representação.

Nesse aspecto, a Constituição brasileira de 1988 representa um avanço no reconhecimento da participação da sociedade civil em espaços decisórios, o que dá sentido, por um lado, ao alto grau de mobilização social e política que viveu o país em seu processo de modernização no século XX, e, por outro, ao contexto de disputa do projeto democrático, que influenciou a Assembleia Constituinte a reconhecer a participação política da sociedade civil na estrutura das instituições políticas tradicionais, particularmente o poder executivo.

A nova Constituição e a ascensão de novos atores políticos levaram a uma onda de inovação democrática marcada pela valorização da participação da sociedade civil em espaços essenciais a formulação e implementação de políticas públicas. É possível afirmar que as últimas décadas foram de consolidação da democracia brasileira, bem como o fortalecimento dos espaços públicos articulados junto à sociedade civil.

Apesar desse cenário, de maneira geral, a democracia brasileira ainda convive com retrocessos na construções de espaços públicos potenciais a participação da sociedade. A cidade do Salvador pode muito bem ilustrar esse atraso, pois é caracterizada atualmente por um “vazio público”, no que concerne um conjunto de experiências de participação e protagonismo da sociedade civil em espaços públicos estruturados em conformidade com a arena estatal. Ao contrário disso, tem sido comum na cidade o sentimento de que se vive sob a insígnia de interesses ocultos e privados, que mesmo sob contrariedade latente vencem, rasgando o argumento racional e público comum aos procedimentos inerentes a democracia. Esses interesses privados jogam nos bastidores em detrimento de espaços inspirados pela pluralidade de cidadãos e de um debate público de consensos (e dissensos). 

Ao mesmo tempo em que ocorre o esvaziamento de espaços públicos, avança o sentimento dos soteropolitanos de privatização do projeto de cidade (economia, política, urbanidade, cultura, etc.) e, portanto, de viver em sociedade


O ano eleitoral começará de fato em poucos dias, havendo a possibilidade de dialogar sobre as questões mais importantes para a vida de todos, de acordo com as ideias e opiniões das candidaturas, mesmo se situadas próximas ou distantes ideologicamente. Contudo, é necessário a todos os atores políticos debater a refundação dos espaços públicos da cidade (conselhos, fóruns comunitários, conferências, audiências públicas, referendos, orçamento participativo, etc.) com o objetivo de valorizar a participação da sociedade civil enquanto uma concepção de democracia, que tem sido o grande desafio da política no século XXI, opaca e dissimulada para uma grande parcela dos cidadãos comuns.

*cientista político, professor do IFBA e Doutorando em Ciências Sociais (UFBA). clandresouza@gmail.com

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