quarta-feira, 9 de março de 2011

PARTIDO E SOCIEDADE



A América Latina assim como as principais democracias contemporâneas pelo mundo lidam nos dias atuais com um arraigado descrédito e desconfiança por parte dos cidadãos em relação à política e as organizações partidária. Ao passo que desconfiam das instituições políticas, ratificam a democracia enquanto melhor forma de governo, como demonstra as pesquisas recentes de opinião pública e de cultura política (cf. www.latinobarometro.org). Este desencanto não pode ser tratado como acessório de menor valia, no que concerne a avaliação dos sistemas políticos e o desempenho da democracia. Tais discussões, não podem perecer sob a égide do pragmatismo e do mero formalismo da política, traços comuns a um tempo social que resiste até os dias atuais.
Os partidos são entidades que capitalizam o poder político com vistas a conquista do poder estatal. Cumprem um papel educacional ao se basearem em interesses e valores e estão “vocacionados”, segundo o filósofo Norberto Bobbio utilizando a definição de Max Weber, a serem associações  que visam um fim deliberado seja ele “objetivo” ou “pessoal”. Para Karl Marx, são os partidos atores fundamentais nas sociedades capitalistas, seja para defender os interesses da classe dominante, como para organizar a luta anti-capitalista da classe trabalhadora, visando a conquista de poder. O partido, inclusive, visaria expandir a sua ação para as demais esferas da sociedade civil (movimentos sociais, sindicatos, associações, etc.), portanto, espaços extra-parlamentares.
O caráter associativo dos partidos tem lugar na definição do cientista político Maurice Durverger, sendo os partidos políticos canais da opinião pública e dos cidadãos, influenciando as decisões governamentais. De outra maneira, os partidos fazem parte do sistema de freios e contrapesos (ou das instituições intermediárias) que visam limitar o papel do Estado em relação ao do indivíduo. O partido cumpriria a função de ser o “intermediário” na relação entre eleito e eleitor. Daí as leis que imputam o conteúdo partidário do voto, mesmo quando damos ele a uma pessoa, estamos a referendar um partido ou um grupo, ou seja, as coligações.
Os partidos voltaram a agenda da política por diversos caminhos, todos eles, tortuosos quando tem-se como fim a democracia e uma melhora das instituições. Em primeiro plano, as discussões até aqui sobre a reforma política, em âmbito parlamentar, estiveram concentradas nas questões do sistema eleitoral, em especial, a competição do voto. Tais mudanças impactariam os partidos em cenários de concentração em grandes partidos ou fragmentação em médios e pequenos partidos, respectivamente aliados ao modo majoritário (“distritão”) e proporcional.
Em segundo lugar, tomou espaço na grande imprensa a possível construção de um novo partido amalgamado aos gabinetes e pensado para reagrupar políticos com mandato que desejam uma aproximação das hostes governistas. A fundação de uma nova agremiação não é posta por uma plataforma mais adensada de valores, opiniões e interesses, até por que até então, a vida do PDB não passa de um “mapeamento genético” embrionário, “manipulada” nos bastidores sem nenhuma afirmação categórica dos articuladores como o Prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM). Os resultados eleitorais recentes dão conta que ser situação ou oposição é essencial na estruturação da competição partidária no Brasil, perdendo-se de vista a centralidade das posições ideológicas. Vide os membros do DEM cogitarem o ingresso no PSB. De fato, as discussões do PDB giram em torno destas posições, em detrimento da criação de um partido com base social e musculatura para além das eleições, caso do PT, ainda uma exceção em nosso espectro partidário.
Por último, um amplo leque de atores do sistema partidário influi em vitalidade de acordo com o volume de recursos oriundos do Estado. O Prefeito de Salvador, João Henrique, agonizava na sua primeira gestão (2005-2008) quando ainda era filiado ao PDT e tinha mais de quinze partidos em sua base aliada. A principal crise deu-se e 2007 com a aprovação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) e a saída dos principais partidos que levou Jacques Wagner (PT) a conquista do governo estadual, em 2006. Foi prontamente socorrido pelo PMDB, que balizou a sua filiação em acordo com a base governista. A segunda crise deu-se pela negação do apoio destes partidos a reeleição do prefeito, ao lançar a candidatura do Deputado Walter Pinheiro (PT).
No inicio de 2011, o prefeito, que enfrenta uma série de dificuldades administrativas, sem explicitar sistematicamente os seus meandros, decide se filiar ao PP, que atualmente ocupa o espaço deixado pelo PMDB baiano na composição do governo estadual e federal. Decisão semelhante à escolha anterior: vincular os êxitos da sua administração a possibilidade de acessar recursos do Estado (obras, projetos e programas governamentais). Pragmaticamente, o prefeito dá mais um looping para ter sobrevida após deixar a cadeira em janeiro de 2013. A entrada no PP – partido que indicou o Ministro das Cidades, o Deputado Federal Mário Negromonte – não indica uma mudança de rumos no que tange a ausência de programas sistemáticos de governo, de projetos para a cidade. O PT, até então, partido de oposição, fechou um acordo com o prefeito rumo a ter o apoio dele no próximo ano. Por outro lado, compromete-se a apoiar a gestão do prefeito, até então, combatida radicalmente pela bancada de vereadores.
Os desafios e limitações aos partidos permanecem como uma questão a pesar na qualidade da democracia. Estamos diante de um cenário de partidos voltados para a maximização dos ganhos eleitorais, paralelo a permanência do descrédito e desconfiança da população com os políticos e a política de um modo geral. Falta aos partidos criatividade, projetos, vínculos, espaços de decisão e diálogo com os cidadãos comuns. Estamos diante de um cenário de desafios imanentes à política, sejamos eleitos ou eleitores. A principal agenda a se deter em uma iminente reforma política deve menos ao formato e da engenharia institucional das regras democráticas do que o seu “espírito”. Diante das coisas vangloriadas “do jeito que estão”, podemos pensar que pior pode ficar.

* Cláudio André de Souza, cientista político e professor. E-mail: claudioandre.cp@gmail.com

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