domingo, 30 de janeiro de 2011

AGENDA VAZIA DE POLÍTICA?

Em seu diagnóstico preciso acerca da modernidade política, a filósofa Hannah Arendt se recusa a conceber que a liberdade, a razão fundamental da política, possa encontrar um substituto no alívio proporcionado pela segurança contra a violência ou na felicidade compreendida como saciedade. A política, em sua visão, não pode subsumir-se na gestão do animal laborans, ou seja, das condições precípuas da nossa vida, ao buscar sustentar o “mero estar vivo” (sermos animais vivos). Daí gastarmos uma parcela considerável a consumir a nossa subsistência – comer, dormir, vestir-se, etc. -, o perigo reside no aumento de tais “necessidades”. Sem uma moderação, podemos fazer do ato de consumir, concatenado ao animal laborans que visa a abundância, a saciedade e o conforto como um fim em si mesmo. Seria esta a condição humana, para a filósofa? Não, pretensamente.
A política é uma condição humana fundamental. A grande política, aquela que a autora vem a conceber, tem o seu sentido fundado na liberdade, para além da vida biológica e da economia (reino privado das necessidades e tomadas agora na modernidade como parte interessada de governos). Ao contrário das coisas que damos a  carregar pelos shoppings, a política permite-se  essencial para a existência daquilo que pode me transcender, que me precedeu e que provavelmente não desaparecerá após o meu "fim": o mundo, dado pela liberdade dos homens ao compartilhar “ações”.
O reflexo da modernidade política, pequena ante a dedicação das sociedades pelo “mero estar vivo” (as propagandas de TV vendem sandálias a se bailar pelas nossas “almas”, pelos nossos sentimentos!), tem vez no esvaziamento que vive a Prefeitura de Salvador. Tal situação não é um dado apenas de caráter administrativo. Ao contrário é fruto das idéias, de um projeto que ali nunca houve. O Prefeito João Henrique emplacou na sua primeira administração o slogan de que o seu governo era “grande”, movido a “pequenas ações”. Ter projetos, utopias e fazer da política uma máquina grandiosa, capaz de se estabelecer uma narrativa como foi a democracia no século XX, exitosa frente ao socialismo real, tem sido um desafio para todos os atores políticos contemporâneos.
Falta agenda à gestão atual. Perde-se em detalhes superficiais, como a inauguração e mobilização midiática das ciclovias na cidade, trocas de lâmpadas, asfalto, etc. Temos mais quilometragem em ciclovias que em metrô. Estamos na contramão, decerto.
Vencer a pequenez da política soteropolitana não deverá ser resultado das cúpulas dos partidos e da elite econômica. Também não será construída em torno de candidaturas que trocam o debate franco com a sociedade pelo “time” de alguém em si. A sociedade civil tem a sua parcela de contribuição, pois, qual o projeto para Salvador: agenda de desafios, ação, prioridades, políticas sociais, etc. A situação que estamos vivenciando no transporte público é uma farsa que imiscui interesses privados sob o rótulo de interesse público. A cada ano o transporte público de Salvador piora em termos de qualidade e prestação dos serviços. Nossas taxas de desemprego superam a média regional e nacional.
Como propôs Arendt, pensar a política como elemento crucial da liberdade dos homens delega responsabilidades a nós humanos. Salvador está pagando caro por ser jogada para o canto, em não ter uma agenda de ações integradas a vencer desafios inerentes à política. Em se ter uma política vinculada a uma margem de interesses, valores e opiniões. Estamos vazios de agenda, do que é a política mesmo em Salvador? Reduzida pelas elites a ser uma cereja do bolo (governo estadual e federal)? Daí que a dinâmica dos partidos gire em torno de tais instituições. Assistimos a uma articulação da oposição ao prefeito feita nos gabinetes, visando atrair partidos e cabos eleitorais para o jogo sucessório de 2012. Aliás não é a toa, que os episódios que estamos a assistir tem vez após os resultados das ultimas eleições nas esferas estadual e federal. Passa ao largo de projetos, idéias, compromissos, debates, etc. Governo e oposição parecem convergir a cantilena da prefeitura ter problemas de “gestão”, de condução “técnica” e “fiscal”.
Diante do quadro assumido até aqui, o resultado das eleições de 2012 pode sair este ano na montagem do governo estadual e federal. Não vencerá uma agenda de bem-estar social, uma cultura política democrática, mas uma lógica que traduz o poder e suas prebendas em cinturões eleitorais de voto. Em um patamar diferenciado das articulações de gabinete, os movimentos sociais e demais atores da sociedade civil podem fazer a diferença ao problematizarem as questões da cidade, como a situação do transporte, reclame do movimento estudantil nas últimas semanas.

João Henrique esvaziou a Prefeitura do Salvador de uma agenda, logo, de um horizonte da política. A prefeitura deixou de ser um governo representativo para se tornar um clube de sócios (interesses privados, cargos, familismos, etc.). Da forma que conduz-se o jogo político, a oposição ensaia repetir a fracassada receita de JH ao deixar para os bastidores o resultado de 2012. Nem sempre quem vence é o melhor. Falta a situação e a oposição projetos e idéias vinculadas a grandes utopias, a Política de fato e valor. Pelo menos, tais assertivas não compõem o cenário de movimentações. Enquanto isso, a cidade respira um vazio de presente e futuro.

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