sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Seja Breve

Seja Breve,
(Noel Rosa)


"Seja breve, seja breve
Não percebi porque você se atreve
A prolongar sua conversa mole
(E não adianta)
Seja breve (conversa de Pedro)
Não amole
Senão acabo perdendo o controle
E vou cobrar o tempo que você me deve

Eu me ajoelho e fico de mãos postas
Só para ver você virar as costas
E quando vejo que você vai longe
Eu comemoro sua ausência com champanhe
Deus lhe acompanhe..."



Estava ouvindo essa música filosófica de Noel Rosa na voz de Martinho da Vila e me dei conta de como de uma forma simples ela aborda os limites , ou a invasão dos limites da individualidade de cada um.
Existem várias formas de invadir o espaço do outro. Se estamos andando na rua e alguém se aproxima muito, logo nos causa um incômodo inexplicável, uma sensação de espaço invadido. E é exatamente isso que ocorre. Temos um espaço ao redor do nosso corpo que se invadido nos dá uma sensação de insegurança. Esse espaço faz parte do nosso eu.
Assim como o espaço outra questão importante é a forma como nós lidamos com o nosso tempo. O tempo que temos é o tempo em que vivemos. Se eu marco um encontro e alguém atrasa trinta minutos, perdi trinta minutos da minha vida que eu poderia estar fazendo uma outra coisa qualquer da minha escolha. Ou seja, fui roubada em trinta minutos da minha vida, pois perdi o direito de escolher como viver aquele tempo.
Existe uma cultura de dominação de uns indivíduos sobre os outros de roubo de tempo que denotam poder. Por exemplo, consultório médico. As pessoas esperam "perder o seu dia" no médico. Apesar de "perder o dia" ser uma gíria é exatamente isso que acontece. Os médicos fazem um trabalho extremamente especializado e normalmente quem vai a um profissional desses é porque de fato está precisando. Não há médicos desempregados, isso faz com que também se restrinja as possibilidades de escolha, diminua a concorrência entre eles e perpetue a cultura do "poder médico".
A música de Noel é brilhante quando se refere a um roubo de tempo de vida nas relações pessoais. Quantas vezes encontramos pessoas que rezamos para que elas respirem entre uma frase e outra para que consigamos dar um corte na conversa chata que não nos interessa. Quando Noel cobra o tempo que o outro lhe tomou é a sacada de que seu tempo lhe foi roubado.
Não posso deixar de comentar que a música faz o exercício de escolha de como viver a vida, já que ela impõe limites ao falador. Se há alguém falando, há alguém ouvindo. E se o falador invade a liberdade de escolha do tempo, cabe a quem está ouvindo não permitir. Da mesma forma que escolher médicos que cumpram horários e lidem com respeito com seu clientes é importante para a mudança de cultura.
Somos atrizes e atores da nossa própria vida e não devemos abrir mão do direito de viver da forma como escolhemos.

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