Até a redação deste texto mais um escândalo de proporções consideráveis ratificam o que já se pensava de um dos oligarcas em atividade do país. O Presidente do Senado José Sarney. (PMDB-AP) sucumbe frente a uma forma de fazer política que está sendo condenada pelas instituições políticas que se fortaleceram numa democracia que Sarney não desejou de corpo e alma. A democracia para os Sarney é razão de contingência, a oligarquia (governo de poucos) uma razão de princípio. Decerto, pode-se ter em mente a crise da política, da democracia e da república que não começa com Sarney e, provavelmente, não se terminará.
A grande imprensa deu eco às investigações da Polícia Federal que apontam a interferência de Sarney a favor da nomeação do namorado de sua neta por razões (anti-) “políticas”. O “imortal” está sendo acusado de quebra de decoro parlamentar pela produção de um ato secreto, assim como por tráfico de influência. O Senado brasileiro se tornou uma corte de privilégios com fins privados e reflete uma cultura de se fazer política tacanha aos objetivos democráticos e republicanos de interesse maior pela res publica. O que há de anormal nisso, deve estar se perguntando uma parcela da população. Colonizada e afastada das decisões, a massa de sustentação democrática aparece nas urnas de quando em vez, mais por obrigação e pela obtenção de credencial para a barganha após a posse. Empregos, obras, dinheiro, passagens aéreas, caixões, doações, etc. Se pede de tudo para os políticos. Quem pede é por que tem legitimidade para tal. Por outro lado, se tem setores médios que se enganam, mas que consegue discernir quais os projetos políticos em jogo no país. O Senado revela por debaixo dos tapetes um “mundo do segredo”[1], como apontara Norberto Bobbio nas contribuições do que deveria ser eliminado enquanto prática política num regime democrático. As democracias contemporâneas, como pensara o filósofo italiano, é um continente de promessas não-cumpridas. A predominância das oligarquias é uma delas.
Sarney resiste em entregar o jogo, mas sucumbe em um escândalo que jorra interesses. Como pano de fundo, os projetos para 2010 e os rumos que o país tomará nas mãos de dois partidos que compõem a democracia brasileira PT e PSDB. Ambos não governam sem o PMDB. Ambos têm medo de condenar Sarney. Tem-se como cálculo, em que medida se pode incriminar Sarney sem olhar para o próprio umbigo. Neste ínterim, a sociedade civil cobra posicionamentos frente á busca de respostas convincentes ao projeto democrático. Movimentos sociais, ONGs, acadêmicos, associações, sindicatos, etc. revelam a repulsa a uma forma de fazer política julgada como ultrapassada e patológica à democracia e à república. Mas, por que Sarney resiste? Antes de tudo, ele tem força ideológica, pois uma grande parcela da população aprendeu a entender/fazer política de um jeitinho que ainda se perdura. O favor e o privilégio andam juntas para muitos políticos pelo Brasil afora.
Há momentos que o surfista parece dirigir a onda e outros que aparenta ser levado. Sarney está sendo levado por Lula a contra-gosto pelo PT até a beira da praia. Arrisco antever que cairá sua “popularidade” em função da sua manobra pró-PMDB a caminho de 2010. Contudo, embute-se um cálculo em seus passos: prefere-se ter o PMDB em 2010, porém saindo-se chamuscado deste incêndio de nome “Sarney” do que entregar o legislativo nas mãos da oposição. No cenário posto, Lula sobressai-se com uma habilidade política inimaginável para muitos “comentadores de cafezinho”[2]: ruim com o PMDB, pior com o PMDB. Neste aspecto Lula revela um pragmatismo inerente a um novo cenário, determinado enquanto um Estado Novo do PT (Vianna, 2007)[3] que faz um caminho de retorno á tradição da política brasileira, inscrevendo nas entrelinhas as dúvidas a respeito da natureza da ação. Vianna (p.7) enuncia que
a forma benigna com que a esquerda chegou ao poder – a via eleitoral – não tinha como escamotear, até com independência da consciência dos atores sobre sua circunstância, de que se estava no limiar de uma revolução. Começadas as grandes mudanças estruturais, seguir-se-ia o momento da mobilização popular e da sua contínua intensificação. Nesse contexto hipotético, o front dos conflitos agrários, sem dúvida, comporia o cenário mais dramático para o seu desdobramento. A rigor, as forças da antítese não quiseram assumir os riscos da sua vitória, reencontrando-se com o adversário que acabara de derrotar. São as forças da antítese que se apropriam do programa das forças da tese, contra as quais tinham construído sua identidade. Não havia contradição a ser superada. A dialética sem síntese da tradição política brasileira, mais uma vez, restaura o seu andamento (...)De qualquer sorte, da perspectiva de hoje, já visível o marco de 2010, não se pode deixar de cogitar sobre as possibilidades de que o condomínio pluriclassista que nos governa venha a encontrar crescentes dificuldades para sua reprodução, em particular quando se tornar inevitável, na hora da sucessão presidencial, a perda da ação carismática do seu principal fiador e artífice. Na eventualidade, no contexto de uma sociedade civil desorganizada, em particular nos seus setores subalternos, e do atual desprestígio de nossas instituições democráticas, a política pode se tornar um lugar vazio, nostálgico do seu homem providencial, ou vulnerável à emergência eleitoral da direita, brandindo seu programa de reformas institucionais, entre as quais a de simplificar ao máximo o papel do Estado, a ser denunciado como agência patrimonial, fonte originária da corrupção no país. Impedir isso é a tarefa atual da esquerda. Mas, ela somente reunirá credenciais para tanto, se, rompendo com o estatuto condominial vigente, for capaz de reanimar seus partidos, aí compreendido o PT, e de estabelecer vínculos concretos com os movimentos sociais, sempre na defesa da sua autonomia, em torno de suas reivindicações. E, sem preconceitos, favorecer alianças, nas eleições e fora delas, com todos os partidos, associações e personalidades de adesão democrática, em favor de um programa centrado no objetivo de destravar os entraves ao crescimento econômico e de promover a justiça social.
Luis Werneck Vianna acerta ao identificar as dificuldades do projeto do PT ao manter uma aliança bizarra com Sarney à base do pragmatismo e da sobrevivência á guisa da superfície da política. O PT rachou ao buscar no Estado um condomínio pluriclassista, afinal, esta tática não vem agradando nenhum dos lados, á vista do PMDB e a manutenção de seus projetos estaduais com mais inclinação ao bloco oposicionista do DEM-PSDB. O PT é a contradição da sua imanência na vida institucional e no fracasso de um projeto de superação das injustiças sociais pela via eleitoral. Não se ganha nada no capitalismo sem o equilíbrio das regras de conflito. O fracasso do governo Lula neste aspecto é o caminhar de uma nova esquerda que aprenderá com seus erros. Sem embargo, o governo Lula está sendo o melhor de todos os governos que passaram pelo Brasil em termos democráticos e de igualdade social. Os caminhos que seguira o PT foram refeitos pelo traçado deixado pelo PSDB que abandonou a perspectiva de direitos sociais e de fortalecimento do Estado.
Em suma, o PT goza de credibilidade e confiança de parte da população, mas o avanço do seu projeto de nada tem relação com uma aliança eleitoral com setores conservadores. Deste setor não se espera, como se tem observado, a marcha rumo ao que o PT lançara como missão no Colégio Sion em 1980. Ao contrário, a vitória do Brasil para os brasileiros toma rumo oposto ao dos oligarcas e setores da elite dominante deste país. De Sarney só se espera uma política oligarca e a ratificação de um projeto democrático não-cumprido. Lula e o PT custam a ver isso. Por que?
[1] Os atos secretos do Senado refletem antes de mais nada a generalização do “segredo”, da desinformação enquanto cultura política não-democrática. Ver O Elogio à serenidade, ED. UNESP, 2001.
[2] A imprensa é de uma visão rasteira da política que beira o enojamento. Conversas de bar são mais proveitosas do que as análises de pessoas que parecem olhar para o chão e iludir-se com a sua cor ao sabor as suas paixões. O óbvio nunca foi tão óbvio nos jornais de domingo. A passionalidade revela uma imprensa de opinião, parcial e passional.
[3] O Estado Novo do PT, disponível em Gramsci e o Brasil
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