Professor de filosofia política da USP, Renato Janine Ribeiro analisou o fenômeno da corrupção no País em dois livros – A República (PubliFolha) e A sociedade contra o social – o alto custo da vida pública no Brasil (Companhia das Letras). Para ele, a corrupção se dá nas esferas pública e privada. Do ponto de vista da formação do País, Janine diz que desvios éticos devem ser condenados, mas antes deveria haver a preocupação de educar a população para não praticar desvios de conduta. "No fundo, é diferente você não fazer uma coisa com medo de ser pego e não fazer um coisa porque acha errado. A educação procura o segundo tipo de coisa", analisa o especialista, que dirigiu a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), de 2004 a 2008. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Diário do Comércio: Diário do Comércio – Que reflexão que o sr. faz da corrupção no País ? Renato Janine Ribeiro – Não há dúvida de que o Brasil tem um problema sério de corrupção, mas a maneira de lidar com isso não tem sido satisfatória. Nós temos uma tradição na qual o respeito à coisa pública é precário. A ideia de que você tenha um espaço público, (que deve ser respeitado) diferente do espaço privado, é muito frágil. Você encontra (a postura) em praticamente todos os meios: direita, esquerda e grupos sociais. Tão problemático quanto a tradição é o crescimento complexo da corrupção. O País não sabe lidar com a complexidade do fenômeno. Na política, se faz uma discussão moralista e tacanha. Contra a corrupção são propostas políticas radicais ou o nivelamento de tudo. DC – Qual é a dificuldade de se combater a grande corrupção? Renato Janine – Os grandes projetos de corrupção são muito difíceis de serem desmascarados porque requerem muita investigação e pessoal especializado. Quando você coloca num portal as despesas que as pessoas fazem com o cartão corporativo, você inibe as pessoas, o que é bom, mas não atrapalha o corrupto, que certamente não utilizou o cartão corporativo. Então, quando reitores de universidades são destituídos em função disto, de gastos que não poderiam ter feito, a discussão desses casos é monopolizada e deixa de lado casos que somente podem ser descobertos com muita investigação policial. Eu insisto: existe um fenômeno de corrupção de gente profissional e o que nós estamos pegando é coisa miúda. DC – Quais os efeitos multiplicadores da corrupção? Renato Janine – O primeiro efeito é real: ela mata gente. Há o desvio de recurso na saúde, educação, transporte, etc. O segundo efeito é o desencanto das pessoas. A corrupção tende a corroer todas as relações sociais. As pessoas afirmam: para que serve fazer tais e quais coisas, se ao final permanece tudo igual? O que adianta ser honesto e praticar o bem se as pessoas que acabam fazendo isso acabam sendo apenadas e não valorizadas? DC– De modo geral, os eleitores esquecem dos escândalos e até elegem políticos envolvidos em corrupção. Renato Janine – Concordo que os eleitores esquecem. Ou então eles estão tão desencantados, que acham que tudo é igual. Esse discurso já apareceu no passado – nos anos 90 e 2000 – e talvez esteja forte hoje. É aquela ideia: tem corrupção em todos os partidos e todos eles agem da mesma forma. Não sei como repercutirá nas eleições de 2010. Pode ser que o desencanto aumente em razão dos últimos escândalos, como o das passagens aéreas na Câmara. Eles não são de vulto, mas são significativos. DC – A máquina pública é ineficiente e agregou a corrupção. Não faltam exemplos: polícia e fiscalização. Renato Janine – Nós vivemos em uma sociedade em que a desonestidade está tão difundida que você passa a ter várias formas – tanto de agentes públicos quanto de agentes privados – de procurarem o que é ilícito, desonesto e antiético. A nossa sociedade tem certos vícios grandes de coisas inaceitáveis. Quer seja no setor público, quer seja no setor privado, as pessoas acabam atuando de forma até um pouco parecida. DC –De que forma poderia ser essa virada? Renato Janine – A educação é um dos pontos que têm faltado ao debate da corrupção. Participei recentemente de um debate na Globo News com o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e o Eduardo Capobianco (presidente da Transparência Brasil). Debateram-se ideias como transparência das contas públicas na internet. Achei correto, mas comentei na hora: veja como a gente desiste da ideia de que as pessoas sejam honestas. Ou seja, elas desistem da ideia de educação. Você só dá transparência aos dados. A ideia de que as pessoas que não façam isso [a corrupção] está em ruínas. No fundo, é diferente você não fazer uma coisa com medo de ser pego e não fazer uma coisa porque acha errado. A educação procura o segundo tipo de coisa. A pessoa procura não fazer porque acha errado. Não importa se você está sendo olhado ou não. Com mais educação, não se precisaria, por exemplo, de semáforos e radares para controlar a velocidade. Isso mostra uma renúncia (terrível) à ideia de que as pessoas possam ser educadas. Se você educar, no sentido mais amplo do termo, elimina toda uma criminalidade. Hoje, combate-se a corrupção pela vergonha e exposição pública e não por outra coisa. DC – Qual é o modelo de formação humana para evitar a corrupção ? Renato Janine – São duas coisas. Em primeiro lugar está o respeito ao outro: individual e coletivo. Você achar que o outro pode ter razão e você não. Mas faz parte também, no respeitar ao outro, perceber que existe uma dimensão da coisa pública. A dimensão de que o espaço público é de todos. Há uma certa tendência no Brasil ao desmerecimento. DC – E a formação moral? Renato Janine – Volto ao começo: os fenômenos que dizem respeito à corrupção são muitos complexos. Uma simples formação moral pode apenas induzir o corrupto a ser mais esperto. Nós temos que ter um investimento forte no respeito ao outro e à coletividade. Isso é uma formação ética genuína e autêntica. De todos os regimes políticos, a República é o que exige mais de seus membros. Em outros regimes, como a Monarquia (mais antiga), há mais passividade. Se a gente levar o termo República a sério, a exigência de conduta ética é muito elevada e isso nos faz falta. Renato Janine – Quando se tem a injustiça social fica difícil defender a Justiça. Nesse sentido, ajudou. Se as pessoas crescem no meio da injustiça e a aceitam como normal, então, como dizer: sejam justas (contra a corrupção)? DC – O historiador José Murilo de Carvalho escreveu que no Brasil os direitos sociais vieram na frente dos direitos políticos, enfraquecendo a cidadania. Qual é a sua avaliação ? Renato Janine – Se a gente examinar os direitos civis, sociais e políticos, de fato, no político foi onde nós ficamos mais fracos. Isso acaba afetando os outros dois. O direito político é aquele em que a sociedade é o sujeito do destino dela. DC – Que livros de outros autores que refletem sobre a corrupção no Brasil o sr. recomendaria ? Renato Janine – Vou citar dois clássicos. Um é Os donos do poder, de Raimundo Faoro. O livro mostra um tipo de constituição da sociedade de apropriação da coisa pública que é ainda pesado para os dias de hoje. Por isso é um clássico. Outra obra é Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, porque discute o jeito norte-americano de ser empreendedor e prático, enquanto o jeito brasileiro tem um estilo bem bacharelesco e de palavras grandiosas. Retirado do site do Diário do Comércio
"É diferente você não fazer uma coisa com medo de ser pego e não fazer porque acha errado", diz Janine
Um exemplo: quando se coloca no mesmo nível um ato de corrupção de milhões de reais e um ministro que comeu uma tapioca de R$ 8 e lançou no cartão corporativo, o que está errado? Confundiu-se, provavelmente, uma distração com o projeto de furto do bem comum. Os mecanismos de controle de corrupção são muito mais baseados na aparência, daquilo que está por trás da ação. Quer dizer, há dificuldade de se perceber o que seja um grande projeto de corrupção.
O lado ineficiente do estado vem junto com o lado de levar vantagem. Empresas concessionárias de serviços públicos, às vezes, querem ganhar algo mais. O trabalho de questionar qualquer um deles é tão grande que não vale a pena. Eu próprio tive problemas com empresas privadas. Ao final, as pessoas acabam desistindo. Quem, por hipótese, vai brigar por pagar R$ 2,99 por um boleto bancário ilegal? O desrespeito ao direito do outro é muito arraigado na sociedade. Nós teríamos de encontrar uma maneira de virar isso.
O espaço público é onde você pode jogar lixo – bituca de cigarro e lata de cerveja vazia –, coisa que não faria na sala e no quarto de sua casa. No entanto, as pessoas fazem isso na rua. Acho extremamente simbólico. Apesar de não ser corrupção exatamente, é um desrespeito à coisa pública da mesma natureza. Seja de automóvel ou de metrô, o espaço público é o espaço de vínculo de todos e não de guerra.
DC – A má distribuição de renda ajudou a corrupção no Brasil ?
Quando se vê que uma boa parte de nossos problemas tem a ver com a má distribuição de renda, as pessoas se acostumam desde cedo com um grau de escolha perverso na vida social. E surge a frase: "Eu vou pegar o que eu puder". Isso vale tanto para pobre quanto para rico. Eu acredito que os ricos sejam muito mais corruptos que os pobres.
Como você tem uma situação mais fragilizada, acaba esperando uma solução que vem de cima. Foi assim com o presidente Getúlio Vargas. Você não acredita muito que consiga unir forças e fazer uma mudança de fato no País. Então, os direitos sociais acabam sendo vistos como uma dádiva.
sexta-feira, 17 de julho de 2009
Entrevista com Renato Janine Ribeiro
De acordo com o professor Renato Janine Ribeiro a discussão da corrupção, principalmente na política, é primária, pois não separa os pequenos escândalos dos grandes esquemas. Punem-se os delitos menores e os maiores continuam à solta.
Sergio Kapustan - 1/7/2009 - 13h12
Foto: Gustavo Scatena / Folha Imagem
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