sexta-feira, 19 de março de 2010

Entre o institucionalismo e o ativismo: o PT e o Fórum Social Mundial

Entre o institucionalismo e o ativismo: o PT e o Fórum Social Mundial

O 9° parágrafo da carta de princípios do Fórum Social Mundial estabelece a seguinte restrição: não deverão participar do Fórum representações partidárias nem organizações militares. Por que um evento de organizações de esquerda restringe a participação de partidos políticos? Por que e como os partidos políticos utilizam esse espaço? No estudo da história do PT e da sua participação no Fórum Social Mundial é possível perceber alguns dilemas das relações entre partidos políticos e movimentos sociais. O artigo é de Gabriel Santos Elias.
Em janeiro de 2009, no calor abafado de Belém do Pará, militantes do Partido dos Trabalhadores (PT) gritavam: “Brasil urgente, Dilma presidente”. Essa cena provavelmente não chamaria atenção de qualquer pesquisador, não fosse pelo fato de ter ocorrido em pleno Fórum Social Mundial, evento que mantém no 9º parágrafo de sua carta de princípios a seguinte restrição: “não deverão participar do Fórum representações partidárias nem organizações militares”.


Daí surgem as duas questões que me intrigaram: Primeiro, por que um evento de organizações de esquerda restringe a participação de partidos políticos? Segundo, por que e como os partidos políticos utilizam esse espaço? É através dessas duas perguntas que busquei estudar a relação dos partidos políticos com movimentos sociais.


A primeira dificuldade foi encontrar uma base teórica para sustentar a pesquisa, já que tanto por parte do estudo de partidos políticos como de movimentos sociais pouca atenção se dá à relação existente entre eles. Se por um lado focam muito a autonomia de um em relação ao outro, principalmente a escola dos Novos Movimentos Sociais da Europa, que teve forte influência sobre o estudo de movimentos sociais no Brasil, por outro lado se assume que um faz parte quase que integralmente do outro, visão muito forte na literatura anglo-americana.


Fui buscar na atuação do Partido dos Trabalhadores no Fórum Social Mundial meu objeto de estudo para essa pesquisa. O PT tem uma relação histórica com movimentos sociais, conflituosa, mas permanente. Surgiu do novo movimento sindical, principalmente de São Paulo, com forte crítica à relação estreita dos antigos sindicatos com o Estado. Mesmo assim se institucionalizou sob o discurso oficial de levar para o espaço institucional as demandas dos movimentos sociais. Um dos motivos para ter em Porto Alegre a realização das primeiras edições do Fórum Social Mundial foi justamente a abertura e apoio dos governos estadual e municipal do PT para a realização do evento.


O PT sempre teve uma relação forte com o Fórum Social Mundial, desde a primeira edição participou da organização das edições no Brasil. Mas inicialmente essa relação se dava através do PT local, no Rio Grande do Sul, e as atividades eram organizadas pela Fundação Perseu Abramo, instituição vinculada ao Partido.


Na organização do Partido para o Fórum de 2009, pela primeira vez se formou um Grupo de Trabalho através do Diretório Nacional exclusivamente para arquitetar sua participação no Fórum Social Mundial. O responsável por essa organização, então Secretário de Relações Internacionais do Partido, Valter Pomar, disse que o orçamento para a atuação do PT no Fórum Social Mundial chegou a prever por volta de um milhão de reais. A tenda comemorativa dos 50 anos da Revolução Cubana, um dos maiores espaços de atividades do Fórum, foi construída pelo PT, com recursos do próprio partido e contava com completo sistema de iluminação e áudio. Nessa tenda foi realizada a atividade com a Ministra Dilma Rousseff retratada no início do artigo.


Em uma análise das atas das reuniões desse Grupo de Trabalho foi possível perceber a preocupação do partido em garantir a sua visibilidade no Fórum, com a distribuição de bandeiras, camisas e broches, e até com definição de metas de participação de militantes petistas por região do país. Entre os motivos para essa importância dada à visibilidade do partido constavam a força do Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL) no Pará e o fato de ser um estado governado pelo PT. Mas e a proibição dos partidos políticos no Fórum?


No estudo da história do PT e da sua participação no Fórum Social Mundial é possível perceber alguns dilemas das relações entre partidos políticos e movimentos sociais. No mais importante deles e que basicamente resume os demais, o partido precisa se situar entre a prevalecência dos seus princípios (sua identidade) e a estratégia para atingir seus objetivos. No contexto do PT no Fórum Social Mundial, pode-se perceber uma atuação predominantemente focada na estratégia política de dar visibilidade ao partido político, inclusive sob o viés eleitoral de disputa com outro partido de esquerda. Mas isso não é suficiente para responder à pergunta sobre o porquê da proibição dos partidos políticos no Fórum, pois percebemos que a organização do Fórum faz vista grossa e permite a ostensiva participação do partido no Fórum.


O Fórum surgiu em 2001 e a proibição da participação do partido no espaço faz parte de um discurso, fruto de um debate importante desse período, que privilegiava a autonomia dos movimentos perante o Estado e conseqüentemente os partidos. Como bem disse Gustavo Codas, Assessor da Secretaria de Relações Internacionais da CUT, a proibição não deixa de ser uma atitude cômoda por parte da organização do Fórum, para evitar possíveis conflitos internos devido à participação dos partidos políticos.


Fato é que a relação dos partidos políticos com os movimentos sociais ainda precisa ser mais abrangentemente explorada pela academia, tendo o partido como objeto, sem incluí-lo abstratamente no que é conhecido como Estado ou como sociedade civil. Essa relação possui dilemas que influem diretamente na atuação tanto dos partidos políticos que buscam se inserir nos movimentos sociais, quanto na atuação dos movimentos sociais que ao mesmo tempo em que buscam restringir essa relação para preservar sua autonomia se utilizam dos partidos para ter acesso ao Estado quando necessário.


(*) Gabriel Santos Elias é estudante de graduação em Ciência Política na Universidade de Brasilia, membro do Programa de Educação Tutorial em Ciência Política e do grupo Brasil & Desenvolvimento.




Fotos: Eduardo Seidl
Retirado do site www.cartamaior.com.br em 19/03/2010

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