Diante do fim de 2009, adentramos mais um ano buscando projetar o futuro aos nossos olhos. É comum buscarmos retrospectivas que indiquem tendências, assim como faz a moda, apresentando a força do que virá. Na política, a “tendência” é um ano eleitoral e, portanto, ímpar para a nossa sociedade, motivada pela escolha de representantes em escala regional e nacional. Mais uma vez, desde 1989, mobilizar-se-ão frente ao escrutínio milhões de cidadãos em acordo com os valores liberais modernos: indivíduos que votam, voltam para as suas casas sem estabelecer, posteriormente, vínculos mais sólidos com os seus representantes eleitos. Aliás, a escolha do voto tem passado ao largo de uma relação de responsabilização política entre cidadãos e eleitores. Escolhe-se em quem votar por uma miríade de fatores, dentre tantos, a clientela (benefícios pessoais recebidos com o voto) e as relações pessoais, ambas andando juntas em alguns cenários de degradação paralela da coisa pública (a res publica). O voto está mais para um favor/troca do que deveres entre partes envolvidas. Saliente e da hora, temos em mente neste fim de ano o escândalo da vez, o do DF que rezou a “cartilha” de uma democracia domesticada: cidadãos pertencentes às principais democracias não sabem e nem demonstram interesse em resolver escândalos de corrupção e privilégio pessoal no erário público. A dificuldade observada é o constructo da situação dos cidadãos e dos políticos do século XXI: como estabelecer e querer um comportamento condizente com os interesses públicos do viver em sociedade contrapostos a desejos e interesses de foro privado das pessoas (enriquecimento e sucesso financeiro) quando o imaginário do que venha a ser público é um meio, dentre vários, de benefícios privados. De dinheiros em meias a frases como “estou trabalhando num órgão público, é legal por que não faço nada, trabalho pouco”, a coisa pública é mal tratada no Brasil há tempos. A realidade brasileira é ainda acentuada pela sua trajetória anti-republicana e tons de fachada a sua sociedade política, apta a borrar o conceito clássico de cidadania quando a sociedade ainda respira as ontologias da desigualdade fruto de um regime escravocrata.
Os escândalos e desvios da nossa república que coroam um mosaico de instituições públicas e partidárias no Brasil retomam a analogia de reformar uma casa com os seus moradores habitando-a. Como mudar os valores e a política quando moradores não entendem ou não desejam a missão? Quem quer reformá-la? Quem toma pra si a missão?
Este é o desafio eleitoral para 2010 e, decerto, a uma dezena de eleições subseqüentes. Candidatos falam do que o “condomínio” pode propor de conforto e bom viver aos seus moradores, mas se omitem em dizer se todos terão acesso e se há pilares nas edificações para tanto. A “grande política”, distinção de análise apontada pelo filósofo italiano Antonio Gramsci, tem ficado de lado na estratégia das esquerdas do século XXI. Boa parte da esquerda se esmera em sobreviver ao presente, resfriando o passado, tracejando um futuro. O potencial eleitoral de obter votos para os partidos de esquerda tem sido determinado pela sua capacidade de se afastar de posturas e valores anticapitalistas. A assimilação ao presente tem sido inevitável nos seus discursos. Governos de esquerda chegam ao poder com o apoio de forças de centro e tendendo a se recompor programaticamente se afastando das origens marxistas. A saturação do projeto democrático atual é a sinonímia de razoáveis fracassos do liberalismo e do projeto de república convergindo ao convencimento dos antes socialistas que o seu antigo projeto chegara ao fim. O afastamento da política democrática e de república a princípios essenciais ao sucesso dos mesmos traça a necessária agenda de discussão e de propostas efetivas em 2010 que visem a “reforma” e “revolução” da nossa sociedade a partir de uma profunda discussão e auto-critica das partes sobre que concepção de “moradia” perfaz os acessórios a compô-lo. Que pena que na política tem prevalecido a vontade dos partidários dos acessórios. Em parte, pensar não ganha voto. De uma forma ou de outra sem a reforma e revolução da política, teremos uma república e uma política de faz de conta, persistindo a constatação do historiador Sérgio Buarque de Hollanda de que no Brasil a democracia nunca passou de um grande mal-entendido. Sem desprender energia política e tempo para pensar uma nova política, panetones, meias, cuecas, gados e carros de luxo comporão um cenário futuro nebuloso da política brasileira sob a rubrica da ignorância da nação a fidedignos valores ao que é de fato a democracia, a cidadania e a política.
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