domingo, 11 de dezembro de 2011

A RETOMADA DO “PÚBLICO”


A partir da década de 1970 estivemos diante de uma “onda” avassaladora que gerou uma reestruturação produtiva que mudou radicalmente as configurações do mundo do trabalho. Diante de novos arranjos sociais e políticos, as sociedades globais passaram a conviver com a flexibilização e precarização do trabalho, colocando milhões de trabalhadores pelo mundo afora á margem dos direitos trabalhistas. O avanço do capitalismo e o incremento de tecnologias diversas na produção acelerou um novo paradigma de acumulação de capital, capaz de, contraditoriamente, através do trabalho formal e informal legar a um enorme contingente de trabalhadores a pobreza e a indignidade humana.
Por motivos que não beiram a coincidência, a China tem sido um motor da economia e da modernização tecnológica a troco de manter uma grande parcela dos seus compatriotas sob o jugo da pobreza e relações trabalhistas que vão de encontro aos direitos humanos e a concepção de mundo cunhada pelas revoluções modernas. Por que o mundo não denuncia a China? Simplesmente pelo fato que o que existe lá é a incorporação de um “espirito” capitalista exógeno e padrão nas relações econômicas em todo o mundo.
Esse “empobrecimento social do trabalho” não é um problema exclusivo da China, mas faz parte do repertório capitalista. A globalização e o êxito do neoliberalismo aprofundaram problemas sociais antes resolvidos pelo Estado, que passou a ser figura inerte, mínima, na garantia da dignidade das pessoas e de um padrão econômico tido como “razoável”, ou seja, a manutenção de um bem-estar social. O neoliberalismo provocara a liberdade dos mercados, que convergiram para o alastramento das relações frágeis de trabalho. O esfacelamento dos direitos trabalhistas coincidiu com a brutal arrecadação das empresas, mesmo em cenários de estagnação econômica.
O inicio do século XXI é especial para a América Latina. Os seus diversos governos demonstram uma convergência no que concerne barrar o neoliberalismo enquanto receituário social e econômico de gestão das sociedades. Nos últimos anos, tivemos que (re) aprender a conviver com o protagonismo dos governos em decidir os rumos da economia e de cuidar da vida das pessoas.
Em sala de aula, a partir das discussões suscitadas pela disciplina “Sociologia” no currículo do ensino básico, estamos o tempo todo a esbarrar em um novo imaginário dos nossos jovens: eles querem estudar e, de preferência, ingressar no serviço público. São seduzidos pela razão contrária das observadas no mercado de trabalho. Enquanto servidores públicos tendem a receber melhores salários, plano de carreira, estabilidade e direitos trabalhistas adquiridos . Deixamos para trás a insígnia de que o serviço público tinha vocação para a ociosidade. As classes médias também se mostram tentadas a investir em cursos preparatórios e em horas de estudos com vistas a ingressar nas fileiras do Estado.
Enfim, o que estamos aqui a observar é a retomada de uma “razão pública” propagada por uma nova agenda de bem-estar social, que não isola as tensões sociais e políticas da constituição de um novo projeto. No cotidiano das pessoas, o Estado deixou de ser um coletor de impostos e “prestador e regulador de serviços” como pensou o receituário neoliberal figurado nos Estados Unidos, União Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI). A cobiça e determinação em se tornar um servidor público traduz a grandiosidade da tarefa em romper com a agenda torpe do neoliberalismo. Estamos adiantados nessa tarefa, o que explica, talvez, a posição atual do Brasil diante da crise econômica. A economia europeia está quebrada em razão do grau de adesão dos países ao neoliberalismo. Como um “museu de grandes novidades”, a solução imediata a que os governos neoliberais e o mercado estão a propor é adotar medidas que atingem diretamente milhões de trabalhadores, que pouco ou nada tem a ver com as decisões econômicas e politicas adotadas por governos ou mercados. Esta crise que assistimos não isenta o Brasil de contingências, embora o tempo social e político que estamos a passar aqui seja outro. Aqui, assim como no restante da América Latina, o neoliberalismo tem sido mais ou menos coisa do passado. Estamos a olhar e viver um novo projeto de vida, igualmente aos jovens estudantes que almejam no serviço público aquilo que o mercado de trabalho, assim como o marketing, promete apenas em palavras.

Cláudio André de Souza é cientista político e professor de sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA).

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