* Cláudio André de Souza
As próximas eleições que ocorrerão daqui a algumas semanas resultarão na renovação dos representantes tanto na esfera federal quanto estadual. Uma renovação numericamente, mas ponderada “qualitativamente” pela insistência do fenômeno da cultura política de subordinação do legislativo ao poder executivo.
Tal fato poderia ser atribuído a diversos fatores institucionais como as atribuições e o desenho do nosso sistema eleitoral e político (presidencial, multipartidário e bicameral), que apresentam uma hipertrofia do executivo, ou seja, a concentração de recursos de poder e capacidade de direção e administração do Estado.
Não obstante, as práticas políticas e estes fatores enunciam uma profunda depreciação do poder legislativo, se tornando uma tendência na propaganda eleitoral na televisão a absurda subordinação da lógica de um poder sobre o outro. Vale ressaltar, que as democracias representativas contemporâneas se baseiam no instituto da representação, na verdade, da idéia de que um eleito deve levar consigo uma plataforma de questões imanentes as perspectivas dos eleitores. São questões as opiniões, interesses, perspectiva social, dentre outros. Tais pontos de partida, que a cientista política Iris Young chama de “elos conectivos”, devem ligar eleitos e eleitores, balizando a representação política, no legislativo, por exemplo. Uma representação democrática deve pressupor a constituição de tais elos durante a campanha e em meio a construção do mandato, sabendo que a legitimidade da decisão consiste na figura do representante, imbuído de legislar e decidir sobre um amplo leque de pontos de vista que englobam valores e concepções ideológicas na consecução de leis, debates e políticas públicas.
O que boa parte dos atores políticos tem oferecido nestas eleições é uma representação política no mínimo depreciativa do principio republicano de separação dos poderes (executivo, legislativo e judiciário). Do pouco tempo disponibilizado as centenas de candidatos, emanam na televisão dentre variados espectros políticos o compromisso de promoção de projetos de acesso a água, luz, infra-estrutura, esgotamento, transporte, construções, etc. Anexam, portanto, a sua imagem a disputa pelo executivo. Geralmente, fazem parte do time do governo ou da turma que luta para melhorar as coisas mesmo na oposição. Esta relação, é a prova cabal do esvaziamento do legislativo pela concepção depreciativa deste poder: a que o entende na prática como uma casa auxiliar ao poder executivo na administração e gestão destes recursos. Esta percepção é comumente assimilada pela sociedade civil, que passa a refletir as suas demandas através do legislativo, enxergando nos políticos (vereadores e deputados) meros “despachantes” de luxo, auxiliares direto do prefeito e governador. Faz parte do universo real da democracia, o legislativo “executar” e ser menos um “legislativo”.
A questão não reside no debate acerca de se tratar de instituições antagônicas de poder (executivo e legislativo), mas de procedimentos e decisões, dentre outras questões, singulares. Mais claro: o poder executivo procede de uma forma, o poder legislativo de outra, sabendo que ambas podem convergir ou não para os mesmos interesses e concepções ideológicas. Desta forma, idealmente não poderiam os candidatos se postar como “despachantes” do poder executivo. Metaforicamente, se a política se passa em um palco, todas as cenas e atos compõem o conjunto, mas delineiam inexoravelmente as suas particularidades entre si. O executivo e o legislativo detêm responsabilidades ímpares, independente do binômio governo e oposição. Estes, apesar de não terem acesso aos recursos do executivo, resumem pela TV a sua atuação a defesa de interesses materiais e pragmáticos (rodovias, universidades, etc.).
Estas eleições retratam a verdadeira tonalidade do legislativo: a permanência de uma representação depreciativa da política, ao passo que mostra-nos uma boa parte de candidatos que apequenam o legislativo a um espaço exclusivo de viabilização de recursos as suas bases eleitorais pelo poder “alheio”, o executivo. Tal desafio pode ser enfrentado por uma reforma política, dependendo de quem venha a representar e a ser representado daqui em diante.
*Cientista político, professor de Sociologia da UNEB (Projeto Plataforma Freire, campus XIII) e aluno do mestrado em ciências sociais da UFBA.
Nenhum comentário:
Postar um comentário