segunda-feira, 15 de março de 2010

"O povo quer que a política tenha lado"

ENTREVISTA Waldir Pires

AGUIRRE PEIXOTO

Aos 83 anos, o ex-governador da Bahia, Waldir Pires, ainda esbanja disposição para a política. Mostrando que a atividade está no sangue e tendo toda uma história de vida de combate à ditadura militar no Brasil, seu nome já foi lançado por setores do PT para ser candidato ao Senado na chapa do governador Jaques Wagner. Insatisfeitos com a atração dos ex-carlistas César Borges (PR) e Otto Alencar, esses petistas defendem um candidato de esquerda na composição governista.

“Na medida em que essas manifestações existem, eu seria candidato”, admite Waldir. Ele, que passou nos últimos anos pela Controladoria-Geral da União e pelo Ministério da Defesa, durante o governo Lula, se considera mais adequado para defender no Senado as bandeiras do atual presidente na próxima gestão. “Como seriam defendidos, no Senado, os projetos da continuidade do governo Lula com (a ministrachefe da Casa Civil) Dilma (Roussef)? Em um Senado que continua frágil, uma relação de forças tão reduzida, nós temos que avançar”, afirma. Um dos maiores opositores do carlismo, Waldir se coloca contrário a uma chapa com nomes egressos desse movimento, embora já tenha se aliado a ex-carlistas quando concorreu ao governo do Estado. “A diferença do momento é gigantesca”, justifica. Sorridente, o ex-governador recebeu a reportagem de A TARDE na última quinta-feira em seu apartamento, para conceder a seguinte entrevista:

O senhor teve, na última quarta-feira, uma conversa com o governador Jaques Wagner para mostrar sua disposição a concorrer ao Senado. Como foi? 

 Muito boa. Foi uma conversa de mais de duas horas.

Falamos sobre aspectos gerais da política da Bahia e do Brasil. Tive a oportunidade de dizer-lhe quanto é importante que nós tenhamos uma clareza sobre o que o governo Wagner representa e também o que significa a passagem do governo Lula pela presidência, em termos de avanço da política brasileira, e, portanto, de que nós estamos em construção, e isso demanda uma presença forte do PT no cenário nacional e nos Estados.

Nessa conversa, o senhor colocou o desejo de ser candidato ao Senado? 


Ele conhece a minha posição de longo tempo. Eu nunca pus como candidatura.

Em todaa minhavida, lutei para ser candidato, briguei, consolidei candidaturas, travei a batalha das eleições, ganhei, perdi, não tem problema nenhum.

Eu tenho uma consciência muito firme e uma compreensão inarredável de que o caminho da convivência humana é a política.

Fora da política, a humanidade não tem outra estrada senão a violência, a brutalidade.

A minha geração viu isso com a ditadura. De modo que eu nunca me declarei candidato, eu já passei dos 80 anos, graças a Deus eu tenho boa saúde, a energia toda para que eu dê de mim o que for possível.

Agora, na medida em que os companheiros começam a me dizer ‘Waldir, nós queremos você candidato’, e se pronunciam em encontros pessoais, encontros de grupos, encontros colegiados, em manifestações sucessivas, eu disse a eles: ‘Olha, eu estou inteiramente à disposição do partido.

Se, porventura, o pessoal acha que eu devo ser candidato, eu vou ser candidato para defender o caminho do Brasil e construir a inclusão social’.

Então, naturalmente, a pré-candidatura foi tema da conversa.

Também. O governador me ouviu, eu disse a ele essas coisas, ele sabe das manifestações e, na medida em que essas manifestações existem, eu sou candidato, sem nenhuma dúvida serei candidato dentro do meu partido. Então eu disse: ’Wagner, se você porventura não me desejar candidato, não tem importância, eu vou votar em você‘. Não tem importância, eu sei o que é a vida política, os erros que foram cometidos ao longo da segunda metade do século XX por visões personalistas. E quem paga isso? A população e as gerações brasileiras. Se você tem um rumo, você sabe que o rumo é este, você não sai. Por isso que eu disse a ele: “eu vou votar em você para governador”. Agora, o povo está dizendo que eu sou candidato, eu vou ser candidato.

Não descartou.

Não descartou, apenas me disse que estava achando que o outro caminho seria mais aconselhável, uma composição de forças mais amplas. Essa composição pode ser até viável, mas desde que ela não descaracterize o destino de um partido que nasceu com uma força gigantesca dos movimentos populares. Eu acompanho as posições de Lula desde 1989, no segundo turno das eleições.

O apoio foi quando o senhor era candidato à vice-presidência com Ulysses Guimarães na cabeça de chapa, ainda filiado ao PMDB.

Aquela eleição foi quando eu fiz o sacrifício maior da minha vida, para manter-me em meus princípios e tentar defender o caminho democrático do Brasil.

Foi a de me desincompatibilizar do cargo de governador da Bahia para concorrer com Ulysses. Mas antes eu tinha enfrentado o Ulysses para ser eu o candidato à presidência. Eu passei aqui os anos de 1988 e 1989 com dezenas de caravanas da juventude do PMDB pedindo que eu fosse candidato à presidência.

Eu dizia que não era a hora, mas as coisas foram se alterando.

Só que, naquele momento, nós cometemos um erro da visão da política e acabamos sendo envolvidos pela astúcia do general Golbery (do Couto e Silva, ministro da Justiça em 1980), que abriu o pluralismo político no final da ditadura militar.

E a oposição se dividiu.

A oposição se dividiu toda.

De tal jeito que, quando nós chegamos na primeira eleição do povo brasileiro depois de derrotada a ditadura, em 1989, tínhamos cinco candidaturas populares e só uma montada pelo conservadorismo, que era a do (Fernando) Collor. Havia Lula, Brizola, Ulysses, Mário Covas e Roberto Freire.

Isso nos dividiu completamente e o Collor estava disparado lá em cima. Tanto que, quando os movimentos populares chegaram aqui na Bahia, pedindo que eu fosse candidato à presidência, eu disse: \'Eu acho que não é a minha vez, mas se vocês querem, façam a minha candidatura, e eu vou lá\'. E o PMDB fez, naquela ocasião, uma convenção com cerca de 800 filiados, acabou a disputa sendo entre o meu nome e o de Ulysses. Eu quase derrotei ele, perdi por menos de vinte votos. O PMDB pediu que eu fosse o vice, para unir o partido. Foram madrugadas sem dormir, um sacrifício gigantesco para me decidir deixar o governo da Bahia.

Voltando ao cenário aqui da Bahia, o senhor entende então que esse movimento de atração de candidaturas como a do conselheiro Otto Alencar e do senador César Borges (PR), egressos do carlismo, descaracterizariam uma chapa do PT? 


O governador tem sempre civilidade para fazer uma composição. Mas o instante da governabilidade é outro, é um jogo de o chefe de governo poder executar suas tarefas. Quem não compreende essa situação de Lula? Ele tem cerca de 80 deputados federais do PT, outros partidos de esquerda são mais uns 50. A Câmara de Deputados tem 513.

Ele foi eleito para governar, tem que compor um mecanismo de governabilidade.

Mas isso vai ficar permanentemente assim? Chega o processo eleitoral, tem que se pôr para o povo, tem que escolher. Claro que tem que dar condições de governabilidade, mas a um governo que firme compromissos que não sejam só acertos de campanha, são compromissos da construção de uma sociedade.

Nos atrasamos muito como democracia, temos que recuperar esse tempo.

Eleitoralmente, Wagner ganharia ou perderia eleitores se agregando a uma chapa mais conservadores? 


Eu sou muito favorável à outra opção. Acho que, se ele forma uma chapa com a presença do PT no Senado, com os nossos aliados de sempre, ele pode evidentemente compor com outros, é algo natural da política, mas que se faz em etapas, em outro momento. Imagino que o Wagner ganhe bem uma eleição assim, com a cara do PT e dos aliados.

Se for o contrário, eu não sei. O povo quer que a política tenha lado, tem que ter lado. Hoje todo partido diz a mesma coisa, não vale nada, não pode.

Quando o senhor se candidatou ao governo do Estado, em 1986, também se aliou a candidatos maisconservadores. Seu vice foi Nilo Coelho (um fazendeiro) e os candidatos ao Senado foram Ruy Bacelar e Jutahy Magalhães (carlistas que haviam rompido com ACM).

A diferença do momento é gigantesca. Ali você estava derrubando uma ditadura e a marca do seu conservadorismo.

Ainda assim, eu recusei o apoio da estrutura de governo da presidência da República de José Sarney.

Eu era ministro da Previdência, estava extremamente forte, tínhamos tirado a Previdência da falência.

O presidente me fez a proposta de que eu fosse candidato com o apoio de todas as forças, e eu recusei.

Eu disse que isso não existia, a política não pode ser unanimidade. E eu escolhi dois senadores que já estavam rompidos com a estrutura dominante do grupo comandando pelo senhor Antônio Carlos Magalhães.

Eu recebi um pedido para dar uma audiência ao senador Jutahy Magalhães, que me declarou seu apoio e acabou entrando na composição.

Depois veio o Ruy Bacelar, rompido já com o governo em 1985. Nilo Coelho não era meu candidato a vice-governador, era José Pedral, de Vitória da Conquista, que tinha sido cassado durante a ditadura. Eu queria ele para meu vice, mas no comecinho do ano de 86, o candidato adversário, Josaphat Marinho, deu declarações de que políticos do PMDB estavam começando a apoiá-lo. Pedral veio falar comigo, dizendo que havia um desbaramento do PMDB. “Eu não quero mais ser vice-governador, precisamos fortalecer a nossa chapa.Tem um rapaz moço, que não fazia política e está prefeito lá de Guanambi, é a primeira vez dele e está fazendo uma boa gestão. Ele tem uma força muito grande no São Francisco, nós precisamos porque não temos nada naquela região”. Aí a coisa foi andando e fechamos.

O senhor acredita que o carlismo realmente acabou? 


O carlismo era a dominação de uma personalidade que durante toda a ditadura comandou a Bahia. Na realidade, não são ideias.

Política são ideias,são valores.

O carlismo é o coronelismo, é muito antigo, desde os donos de engenho.

Acabar com isso é fundamental para o processo democrático.

Você põe as coisas do Estado a serviço do bem-estar da população inteira, criando mecanismos a serem respeitados. Um deles é a transparência completa.

A sua história de vida seria a principal plataforma para chegar ao Senado? 


Meus objetivos são desenvolver o Brasil e determinar a inclusão social de nosso povo. Hoje já enfrentamos um problema de criminalidade gravíssimo, que está muito vinculado a essa espoliação de ter uma parcela enorme da população absolutamente sem renda. E, nesse particular, a contribuição do Lula é significativa e tem que continuar.

O Senado é uma voz de advertência e de acompanhamento, de não permitir a omissão.






Fonte: Jornal A Tarde 15/03/2010

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